domingo, 14 de fevereiro de 2010

Resposta a Demétrio Magnoli sobre a Revolução Venezuelana

A revolução venezuelana continua sobre as atenções de toda a classe trabalhadora. Alan Woods escreve uma carta respondendo a um articulista brasileiro sobre o assunto. O terceiro Chávez Demétrio Magnoli Karl Marx criou a 1ª Internacional, Friedrich Engels participou da fundação da 2ª, Lenin estabeleceu a 3ª, Leon Trotski fundou a 4ª e Hugo Chávez acaba de erguer o estandarte da 5ª. "Eu assumo a responsabilidade perante o mundo; penso que é tempo de reunir a 5ª Internacional e ouso fazer o chamado", declarou num discurso de cinco horas, na sessão inaugural do congresso extraordinário do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), sob aplausos de 772 delegados em camisetas vermelhas. O congresso ocorreu em novembro. Depois, Chávez impôs o racionamento energético no país, desvalorizou a moeda e implantou um câmbio duplo, estatizou uma rede de supermercados, suspendeu emissoras de TV a cabo e desencadeou sangrenta repressão contra os protestos estudantis. A Internacional chavista nascerá numa conferência mundial em Caracas, em abril, e as eleições parlamentares venezuelanas estão marcadas para setembro. Mas o futuro do homem que pretende suceder a Marx, Lenin e Trotski será moldado por um evento totalmente estranho à sua influência: a eleição presidencial brasileira de outubro. Chávez vive a sua terceira encarnação, que é também a última. O primeiro Chávez emergiu depois do golpe frustrado de 1992, nas roupagens do caudilho nacionalista e antiamericano hipnotizado pela imagem de um Simón Bolívar imaginário. Sob a influência do sociólogo argentino Norberto Ceresole, aquele chavismo original flertava com o antissemitismo e sonhava com a implantação de um Estado autoritário, de corte fascista, que reunificaria Venezuela, Colômbia e Equador numa Grã-Colômbia restaurada. Um segundo Chávez delineou-se na primavera do primeiro mandato, em 1999, a partir da ruptura com Ceresole e da aproximação do caudilho com o alemão Heinz Dieterich, o professor de Sociologia no México que deixou a obscuridade ao formular o conceito do "socialismo do século 21". O chavismo reinventado adquiriu colorações esquerdistas, firmou uma aliança com Cuba e engajou-se no projeto de edificação de um capitalismo de Estado que figuraria como longa transição rumo a um socialismo não maculado pela herança soviética. Brandindo um exemplar de O Estado e a Revolução, de Lenin, o Chávez do congresso extraordinário do PSUV anunciou sua conversão ao programa de destruição do "Estado burguês" e construção de um "Estado revolucionário". Este terceiro Chávez se insinuou em 2004, quando o caudilho conheceu o trotskista britânico Alan Woods, e se configurou plenamente no momento da derrota no referendo de dezembro de 2007, pouco depois da ruptura com Dieterich. O PSUV é fruto do chavismo de terceira água, assim como a proclamação da 5ª Internacional. O termo palimpsesto origina-se das palavras gregas palin (de novo) e psao (raspar ou borrar). Palimpsesto é o manuscrito reescrito várias vezes, pela superposição de camadas sucessivas de texto, no qual as camadas antigas não desaparecem por completo e mantêm relações complexas com a escritura mais recente. Para horror do sofisticado Woods, o chavismo é uma doutrina de palimpsesto que mescla de maneiras bizarras a Pátria Grande bolivariana, a aliança estratégica com o Irã, os impulsos bárbaros do caudilhismo e o difícil aprendizado da linguagem do marxismo. O texto mais novo, contudo, tem precedência sobre os antigos e indica o rumo da "revolução bolivariana". Chávez reage à crise provocada por seu próprio regime apertando os parafusos da ditadura e lançando-se desenfreadamente às expropriações. O chavismo é um regime revolucionário, não um governo populista tradicional nem um mero fenômeno caudilhesco. O PSUV tem, no papel, 7 milhões de filiados, dos quais 2,5 milhões se apresentaram para eleger os delegados ao congresso extraordinário. O declínio de Chávez, agravado pela crise econômica em curso, sustenta a profecia de sua derrota eleitoral em setembro, mas regimes revolucionários não são apeados do poder pelo voto. "Não admitirei que minha liderança seja contestada, porque eu sou o povo, caramba!", rugiu semanas atrás o caudilho de Caracas. Esse homem não permitirá que o povo o desminta nas urnas. O ocaso inexorável do chavismo será amargo, dramático, talvez cruento. Mas sua duração dependerá, essencialmente, do sentido da política externa do novo governo brasileiro. Várias vezes o Brasil estendeu uma rede sob Chávez. Lula e Celso Amorim protegeram o venezuelano na hora do fechamento da RCTV, no referendo constitucional frustrado, na crise dos reféns colombianos, na polêmica sobre as bases americanas e na aventura fracassada do retorno de Zelaya a Honduras. Em nome dos interesses do chavismo, o presidente brasileiro desperdiçou a oferta de cooperação estratégica com Barack Obama. No ciclo de estabilização da "revolução bolivariana", o Brasil isolou regionalmente a oposição venezuelana, ajudando a consolidar o regime de Chávez. Agora, iniciou-se o ciclo de desmontagem das bases políticas e sociais do chavismo. No novo cenário, o Brasil tornou-se imprescindível: só a potência sul-americana possui os meios e a influência para carregar por mais alguns quilômetros o esquife do iracundo caudilho. A maioria governista no Senado aprovou o ingresso da Venezuela no Mercosul, sob o cínico argumento de que a democracia no país vizinho ficará mais preservada pela virtual supressão da cláusula democrática do Mercosul. Na OEA, a diplomacia brasileira manobra para evitar uma nítida condenação da ofensiva chavista contra os estudantes e a liberdade de imprensa. Em Caracas, uma missão técnica enviada pelo governo brasileiro articula um plano de resgate do sistema elétrico venezuelano em colapso. A declaração de apoio de Chávez à reeleição de Lula foi recebida com desprezo pelos chavistas revolucionários. Hoje, até Woods deve estar rezando em segredo pelo triunfo de Dilma Rousseff. --- Resposta - Alan Woods - À atenção de Demétrio Magnoli Estimado senhor, Em seu artigo de 04 de fevereiro, você escreve: “o chavismo original flertou com o anti-semitismo e sonhava com a construção de um Estado autoritário, de estilo fascista”. Uma das primeiras ações tomadas por Chávez foi aprovar a Constituição mais democrática do mundo. Esta não é necessariamente a atitude de alguém que deseja estabelecer um Estado de estilo fascista. Durante a última década, Chávez ganhou mais eleições e consultas populares do que qualquer outro líder político do mundo. Pelo contrário, a oposição “democrática” em 2002 tentou derrubar o governo democraticamente eleito com um golpe de Estado, que foi imediatamente reconhecido por Washington. Se a oposição houvesse conseguido êxito, a Venezuela teria afundado em um Estado de estilo fascista. Você é muito amável em ressaltar meus contatos políticos com o Presidente Chávez e vincular isto a sua proclamação da V Internacional. Agradeço esta declaração, mas com toda honestidade, creio que o senhor superestima enormemente minha influência sobre o Presidente, que tem personalidade e está acostumado a tomar suas próprias decisões. Quanto às falsas noções de Heinz Dieterich, tratei-as exaustivamente em meu livro Reformismo ou Revolução, que foi recentemente publicado no Brasil. É suficiente dizer que o erro básico de Dieterich e de outros reformistas é assumir a possibilidade de alcançar o socialismo sem expropriar a terra, os bancos e as grandes indústrias. Meu ponto de vista sobre o processo revolucionário pode ser resumido da seguinte forma: Não é possível fazer meia revolução. Ou a Revolução liquida o poder econômico dos latifundiários, banqueiros e capitalistas ou fracassará. Ou a Revolução derrota a oligarquia, ou a oligarquia destruirá a Revolução. Expus diversas vezes estas perspectivas na Venezuela e sou bem conhecido por muitas pessoas, inclusive Hugo Chávez. Porém nunca me dispus a dizer a ninguém o que devem pensar. Sobre a base da experiência, os trabalhadores da Venezuela podem decidir por si mesmos quem tem razão e quem está errado, e o estão fazendo. Você diz: “Em nome dos interesses do chavismo, o presidente brasileiro perdeu a oportunidade de uma cooperação estratégica com Barack Obama” . (Ênfase minha, AW). Mas duvido muito que a maioria dos brasileiros esteja a favor da subordinação da política exterior de seu país aos interesses dos EUA, cuja campanha contra Chávez é parte da tentativa de manter seu domínio sobre a América Latina. É um grande mérito de Hugo Chávez estar disposto a dizer ao mundo inteiro que a única alternativa ante a humanidade é socialismo ou barbárie. Creio firmemente que o futuro do Brasil, da América Latina e do mundo inteiro, só pode ser o socialismo; uma economia planificada democrática, onde a terra, os bancos e as grandes indústrias estejam nas mãos do Estado, e o Estado esteja nas mãos dos trabalhadores. Você antecipa ansiosamente “o declínio inexorável do chavismo será amargo, dramático, talvez sangrento”. Sim, durante anos todos os reacionários de Norte a Sul da América esperam por isto. Porém a cada nova etapa suas esperanças são frustradas pelo movimento dos trabalhadores e camponeses venezuelanos. Será que desta vez as esperanças dos imperialistas estão justificadas? É impossível responder. A revolução venezuelana, como todas as revoluções, é uma luta de forças vivas. Pode ser influenciada por muitos fatores, tais como a atual crise econômica mundial, o esgotamento das massas depois de mais de uma década de luta, a enorme pressão do imperialismo e, por último, mas não menos importante, os erros dos dirigentes. Por fim, você diz que “inclusive Woods deve estar rezando secretamente pelo triunfo de Dilma Rousseff”. Há muito tempo que não rezo por nada, seja em segredo ou publicamente, e digo abertamente que apoiarei o candidato do PT contra os partidos de direita da burguesia, assim como digo abertamente que apoiarei o PSUV na Venezuela contra a oposição contra-revolucionárias. Junto com meus camaradas da Corrente Marxista Internacional na Venezuela e no mundo, farei tudo que estiver ao meu alcance para derrotar a oposição contra-revolucionárias e obter a maior vitória possível para o PSUV e Hugo Chávez, e continuar e intensificar a luta pelo socialismo. Assim como lutarei para que o PSUV execute um programa autenticamente socialista na Venezuela, lutarei para que no Brasil o candidato do PT, eleito pelos votos dos trabalhadores e camponeses, execute uma política no interesse de quem o elegeu, e não nos interesses do imperialismo EUA e dos capitalistas do Brasil. E não há segredo nisto. Alan Woods, Londres, 10 de fevereiro de 2010. Fonte: http://www.marxist.com/resposta-a-demetrio-magnoli-revolucao-venezuelana.htm

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